Censo: 218 escolas particulares fecharam de 2013 a 2015 no Rio

set 22, 2016

O GLOBO: A crise financeira tem castigado o ensino privado no Rio. Todo ano, colégios são fechados devido à inadimplência, que também leva à perda de alunos. Segundo dados do Censo Escolar do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), entre 2013 e 2015, depois de um período de crescimento do setor, o município perdeu 218 escolas particulares — o total caiu de 2.039 para 1.821 unidades. Além disso, cerca de 20% dos alunos do ensino médio deixaram a rede privada — o número de estudantes nas salas recuou de 81.157 para 65.261.

Só esta semana, duas escolas religiosas tradicionais do Rio, os colégios Santa Rosa de Lima, em Botafogo, e Nossa Senhora da Piedade, no Encantado, anunciaram que vão encerrar suas atividades até o fim do ano, como revelou a coluna de Ancelmo Gois no GLOBO. Este ano, outras 28 unidades já haviam tomado a mesma decisão, segundo a Secretaria estadual de Educação. Em 2015, foram 38; no ano anterior, 45.

De acordo com o presidente do Sindicato dos Estabelecimentos de Ensino do Rio (Sinepe Rio), Victor Nótrica, os números preocupam:

— A gente está vivendo o problema da crise que atinge a classe média. Em várias escolas, a inadimplência está se acentuando, e as famílias tiram os filhos. A situação fica difícil (para as instituições). Há relatos de escolas que, devido às dificuldades, estão tendo que alterar suas estruturas administrativas.

A crise também afeta o ensino fundamental, mas com impacto menor. Segundo o Censo Escolar, a rede privada perdeu, nessa faixa, 4% de seus alunos (de 260.738 para 249.546) entre 2013 e 2015.

CRESCIMENTO ATÉ 2013

Antes, a tendência era no sentido oposto. Em 2011, havia 1.858 escolas particulares no Rio, número que passou para 2.039 em 2013. Também em 2011, o ensino médio tinha 63.638 alunos e o fundamental, 250.887. Dois anos depois, já eram 81.157 e 260.738 estudantes, respectivamente.

Na rede pública, o número de alunos caiu ano a ano entre 2011 e 2015, mas em níveis mais baixos. Além disso, o número de instituições acabou aumentando.

Profissionais que acompanham o dia a dia dos colégios particulares confirmam as dificuldades. O relações-públicas José Alessandro Oliveira desenvolve ações de marketing para escolas religiosas há 20 anos. Para ele, a melhora da qualidade de algumas instituições públicas pode ter feito alguns pais de alunos desistirem de pagar pelo ensino privado.

— A crise acabou deslocando esse grupo de estudantes para a rede pública. Todos os colégios (particulares) vêm sofrendo em maior ou menor grau — disse ele.

Oliveira atualmente é relações-públicas do Colégio Notre Dame, onde, de acordo com ele, o número de matriculados “vem se mantendo, apesar da crise”. O profissional afirmou que a dificuldade de encontrar padres e freiras dispostos ao trabalho no ensino tem sido também um problema em algumas escolas religiosas.

MIGRAÇÃO PARA ESCOLAS PÚBLICAS

No Colégio Santa Rosa de Lima, o número de matrículas vem caindo há muitos anos. A instituição, de 81 anos, chegou a ter mais de 900 alunos até os anos 90. Na década seguinte, o total já estava em torno de 700. Atualmente, são 270, incluindo bolsistas — é oferecendo uma bolsa a cada cinco estudantes matriculados que a escola mantém seu caráter filantrópico. Com a crise econômica, cresceram a inadimplência e a migração para instituições públicas, segundo a irmã Maria Madalena dos Santos, da Congregação das Irmãs Dominicanas da Província de Nossa Senhora de Guadalupe, responsável pelo colégio:

— Para a gente, a crise pesou bastante. Temos famílias que foram atingidas por ela, e cresceu o índice de inadimplência. Nos últimos anos, temos recorrido a aportes financeiros da congregação (que não vieram da renda da escola) para cumprir nossas obrigações.

A irmã, de 49 anos, tem 26 dedicados à vida religiosa. Chora frequentemente quando fala da decisão de fechar o colégio, tomada no último dia 16. Ela ressaltou, entretanto, que a crise foi apenas um dos elementos que pesaram na resolução. O principal, afirmou, foi a dificuldade de achar religiosas interessadas em entrar na congregação. Hoje, há apenas seis cuidando da escola, sendo que três têm de 88 a 99 anos e não apresentam mais condições de saúde para a atividade:

— O principal motivo foi a dificuldade de renovação das irmãs. Nos últimos dez anos, só recebemos duas noviças — contou. — Somos um grupo pequeno de irmãs, a maioria está em idade avançada. Na última década, não tivemos uma renovação na vocação para a vida religiosa. Isso impossibilita manter um projeto educacional.

A religiosa ressaltou que o colégio, apesar das dificuldades, tem recursos para honrar todos os pagamentos aos funcionários na rescisão dos contratos. O prédio de mais de 20 salas, no entanto, precisa de reformas, para as quais não há dinheiro.

— É uma estrutura de 81 anos, que precisa de reformas profundas.

Pais de alunos, surpreendidos pela decisão, dizem que os filhos estão tristes por terem que mudar de escola:

— Minha filha de 4 anos não entende ainda. Mas o mais velho, de 11, está arrasado, já chorou bastante. Ele estuda aqui desde os 2 anos — contou a dona de casa Fernanda Ribeiro. — A gente está correndo atrás de vaga, mas está difícil, e muitos colégios não estão aceitando alunos para 2017.

No Colégio Nossa Senhora da Piedade, o clima também é de tristeza entre alunos e profissionais. A tradicional escola, que faz parte da congregação Rede de Educação Missionárias Servas do Espírito Santo, tem capacidade para 2.500 estudantes, mas só tem atualmente 542. Além disso, a taxa de inadimplência chega a 13% por mês. Anualmente, o prejuízo é de cerca de R$ 1 milhão. Por isso, o colégio encerrará em dezembro uma história de 102 anos.

— Foi uma decisão segura e responsável, não foi tomada de uma hora para outra e tem fundamentos. Estamos analisando a realidade do colégio há pelo menos cinco anos. O número pequeno de alunos causa um desequilíbrio financeiro muito grande — disse a irmã Maria de Fátima Marques de Oliveira, presidente da Sociedade de Ensino e Beneficência (SEB), mantenedora da escola.

Para ela, a evasão de estudantes tem ligação com a situação socioeconômica do bairro. A estação de trem do Encantado, fechada há 45 anos, garantia um enorme fluxo de pessoas ao local. Outro problema foram as muitas desapropriações ocorridas com a construção da Linha Amarela.

— Ela trouxe benefícios para a região. No entanto, as pessoas com mais potencial deixaram de investir no próprio bairro e se mudaram. Captar alunos para a nossa escola significaria captar fora. E como se faz isso num bairro que ficou isolado? — questionou a irmã.

O anúncio do encerramento das atividades foi feito inicialmente para os 120 colaboradores na segunda-feira. No dia seguinte, cartas foram enviadas aos pais. Segundo Maria de Fátima, foi criada uma equipe para atender todos os responsáveis que quiserem falar com a direção e tirar dúvidas:

— A escola é tão tradicional que gerações de famílias estudaram aqui. Neste momento, o que eu percebo é tristeza, sim, mas também muita compreensão.

“ESTÁ TODO MUNDO CHOCADO”

Para os pais, a notícia do fechamento caiu como uma bomba. A dona de casa Priscila Guimarães, de 30 anos, ainda não sabe onde vai matricular sua filha Alice, de 4.

— Está todo mundo chocado. Minha família inteira estudou aqui, e temos uma história com essa escola — lamentou.

O GLOBO procurou outras instituições tradicionais. Os colégios Santo Agostinho, Santo Inácio e Sagrado Coração de Maria negaram dificuldades financeiras. O Marista São José disse que não ia se pronunciar.