Base Nacional Comum: consensos e dissensos

maio 24, 2016

Artigo da professora Malvina Tuttman (professora da UNIRIO, integrante do Conselho Estadual de Educação/RJ e do Conselho Nacional de Educação)
A temática Base Nacional Comum não é um assunto novo. Ela está prevista na Constituição de 1988 para o ensino fundamental, e foi ampliada para o ensino médio com a aprovação do Plano Nacional de Educação – PNE, a partir da Lei 13.005/2014, em consonância com a Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996 – LDB, que define as Diretrizes e Bases da Educação Nacional.
Em nossa história recente de organização da educação, identificamos propostas que se assemelham ao que hoje se denomina de Base Nacional Comum. Por exemplo, na década de 1980 surgiram os “Guias Curriculares”, nos anos 90 os “Parâmetros Curriculares” e, ao final da década de 90 até os presentes dias, as “Diretrizes Curriculares Nacionais”, essas últimas em atendimento ao previsto na atual LDB, com o objetivo de preparar as normas necessárias à implantação da nova estrutura de educação então instituída.
O Conselho Nacional de Educação – CNE, desde a promulgação da LDB/1996, tem se dedicado ao cumprimento das competências que lhe são atribuídas pelo art. 9º, § 1º, alínea “c” da Lei Federal nº 9.131/95 e pelo art. 90 da LDB, para a definição de Diretrizes Curriculares Nacionais.
Em 2001, o CNE elaborou e divulgou uma Coletânea com as Diretrizes Curriculares Nacionais aprovadas até aquele momento pela sua Câmara de Educação Básica, e homologadas pelo então Senhor Ministro de Estado da Educação. Nessa Coletânea, ficam claras a importância e as finalidades de serem definidas Diretrizes Curriculares Nacionais.
Destaco algumas afirmativas desse Documento, registradas em sua Introdução: (i) “as Diretrizes caracterizam-se como conjuntos articulados de princípios, critérios e procedimentos que devem ser observados pelos sistemas de ensino e pelas escolas na organização e no planejamento, na execução e na avaliação de seus cursos e respectivos projetos pedagógicos. Esta é uma orientação da nova legislação educacional brasileira”; (ii) “não cabe mais a este Colegiado fixar mínimos curriculares nacionais por curso ou modalidade de ensino. Cabe, sim, fixar Diretrizes Curriculares Nacionais que orientem os sistemas de ensino na tarefa de apoiar o desenvolvimento dos projetos pedagógicos concebidos, executados e avaliados pelas escolas, com a efetiva participação de toda a comunidade escolar, em especial dos docentes”; (iii) deve haver “flexibilidade para atuação dos sistemas de ensino e das escolas, de todos os níveis e modalidades, bem como apoio, orientação e avaliação da qualidade do ensino por parte do Poder Público […] ao lado do zelo pela aprendizagem dos alunos e do compromisso com resultados, em termos de desenvolvimento da capacidade de aprendizagem e de constituição de competências que conduzam o aluno à progressiva autonomia intelectual e o coloque em condições de continuar aprendendo”.
É importante lembrar que entre os anos de 2009 e 2011 foram elaboradas aprovadas pelo CNE Diretrizes Nacionais Curriculares para a educação infantil, para o ensino fundamental e para o ensino médio, e homologadas pelo MEC.
Em 2015, a Secretaria de Educação Básica do MEC – SEB/MEC, em observância ao PNE, apresenta aos educadores e à sociedade em geral, uma versão inicial de uma Base Nacional Comum Curricular para amplo debate, elaborada de forma autônoma por equipes convidadas pela SEB/MEC. De acordo com o Ministro de Estado da Educação à época, tal versão não representava, ainda, a posição do MEC ou a do CNE, a quem cabe, por Lei, a tarefa de aprovar o Documento final.
Essas considerações iniciais, têm a intenção de resgatar a memória do presente debate, que é histórico, e de onde emergem consensos e dissensos.
Acredito que deva ser feito um conjunto de perguntas iniciais: para que serve esse Documento? Para quem? A partir de qual concepção? Há conversa com Documentos anteriores? Quais os possíveis avanços?
Outro conjunto de questões me parece necessário: o que entendemos por formação humana, para além da dimensão cognitiva? Qual o projeto de sociedade que embasa o Documento? Quem define que um conteúdo é mais importante do que o outro?
Tenho a convicção de que currículo é definido nas escolas, construído a muitas mãos, a partir das várias histórias de vida que fazem parte do cotidiano escolar. Os conteúdos, as metodologias e outras tantas técnicas não fazem sentido se desconectadas daquele contexto, pois as crianças de cada escola são únicas. Elas e os profissionais da educação precisam descobrir, juntos, o caminho. Compartilho uma das muitas lições aprendidas ao longo de minha trajetória profissional: precisamos estar abertos para ouvir os estudantes, a comunidade, os coletivos invisibilizados. É preciso refundar saberes, ampliando, verdadeiramente, o conhecimento da realidade.
O PNE, especialmente nas Metas 2, 3 e 7 – estratégias 2.1; 3.2 e 7.1, respectivamente – indicam a atribuição do MEC, em articulação com os Estados, Distrito Federal e Municípios, de encaminhar ao CNE diretrizes pedagógicas para a educação básica e a base nacional comum dos currículos, respeitadas a diversidade regional, estadual e local.
Alguns caminhos poderiam ser tomados para atender ao PNE. Um deles, utilizando a metodologia que está sendo adotada pela SEB/MEC, que privilegia uma centralidade e a necessidade de um Documento único para todas as escolas do país. Outro, considerando que as atuais Diretrizes Curriculares emanadas do CNE permitem a semelhança necessária entre as propostas curriculares das escolas e que necessitam ser conhecidas, debatidas e interpretadas pelas escolas. Isso já está posto na Coletânea do CNE de 2001, citada no presente texto. Caberia, portanto, a elaboração de diretrizes operacionais para que as Secretarias de Educação, em conjunto com as escolas e as representações sociais, implementassem as atuais Diretrizes sem o risco de um estreitamento curricular, atendendo o que também está previsto no PNE, no que se refere às diversidades regionais, estaduais e locais.
Além dessa breve análise, outras variáveis precisam ser consideradas ao mesmo tempo em que se amplia o debate sobre a Base Nacional Comum, quando se deseja a garantia de qualidade da educação. Para tanto, é preciso agir considerando um conjunto de ações relacionado à democratização do acesso, à permanência do estudante na escola, às condições de participação e aprendizagem, a superação das sérias assimetrias regionais e sociais, que envolvem o financiamento da educação e, consequentemente, uma distribuição mais justa de recursos. É preciso valorizar concretamente o professor, com planos de cargos e salários dignos, ao mesmo tempo em que se busca uma formação inicial e continuada compatível com o projeto claro de sociedade desejado, como já previsto na Resolução CNE/CP nº 2, de 1º de julho de 2015.
Afinal, quem conduz os processos curriculares são os coletivos dos profissionais da educação. Sem esses coletivos não há força suficiente para as mudanças necessárias. É preciso acreditar e investir seriamente nesses coletivos.
Concluo essa breve reflexão com uma afirmativa: a definição clara do Sistema Nacional de Educação – SNE, situando o papel da União na coordenação das políticas educacionais, em colaboração com os demais entes federados, permitirá assegurar que as ações não sejam mais discutidas e implementadas isoladamente, mas fazendo parte de um conjunto de políticas articuladas e, por isso, coerentes com o ideal de uma educação emancipadora.